Houve um tempo em que a música brasileira era muito mais do que refrões de duplo sentido e rimas fáceis. Grandes compositores, músicos e cantores se reuniam no horário nobre da TV e despertavam discussões acaloradas entre os espectadores. Conhecida como a “Era dos festivais”, a década de 60 talvez tenha sido a primeira vez em que o povo começou a perceber que música popular podia ser coisa séria.
Não é difícil entender o porquê desses festivais fazerem tanto sucesso. O Brasil estava vivendo em plena ditadura militar, numa época em que qualquer reuniãozinha mais entusiasmada já era considerada “conspiração”. Para muitos, extravasar os anseios políticos sem levar cacetada, só mesmo entre as vaias e aplausos da multidão que ia aos teatros da Record ouvir suas músicas favoritas. Chegava a ser quase um evento cívico do que musical, portanto, ficar em cima do muro era proibido! É claro que nem todas as músicas tinham conotação política, mas até as composições menos engajadas (mas não menos belas) despertavam discussões culturais empolgantes.
Os tão populares festivais tiveram seu ano de ouro em 1967 quando Roberto Carlos, Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil e Edu lobo (querem mais?) subiram ao palco para defenderem suas músicas. Para se ter uma ideia do nível da competição, Elis Regina não conseguiu se classificar nesse Top 5. Neste ano “Ponteio”, de Edu Lobo, ganhou o festival, deixando “Domingo no Parque” de Gilberto Gil em 2º e “Roda Viva” de Chico Buarque em 3º. O inusitado ficou por conta do compositor Sergio Ricardo que teve sua música “Beto Bom de Bola” sistematicamente vaiada do início até o fim fazendo com que ele perdesse a paciência, quebrasse o violão no palco e arremessasse na platéia... Mais rock n' roll impossível!
Nesse festival de 67 um novo movimento que mudaria de vez a história da MPB começou a ser esboçado, a Tropicália, gênero musical que misturava lances de guitarra (mesmo que elas ainda tivessem som de lata) a música brasileira. Nesse mesmo ano um fato um tanto quanto estranho aconteceu. Em plenos anos de chumbo - portanto com muito mais coisas importantes para protestar - alguns puristas da MPB incomodados com as guitarras que estavam desvirtuando a MPB foram em praça pública protestar contra a tal novidade estrangeira. Elis Regina, Jair Rodrigues, Gilberto Gil (mas o que ele estava fazendo lá?) entre outros participaram desse, digamos, “mico”.
Os festivais tiveram seu auge até o comecinho da década de 70 e depois foram perdendo fôlego até acabarem de vez. O que restou foram algumas imagens em preto e branco e um legado incontestável de grandes talentos que faziam da música não apenas uma forma de entretenimento, mas um meio de contestar, provocar e nos despertar da monotonia do cotidiano, coisa essa que só a verdadeira arte é capaz de fazer.