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Foto do escritorRedação

Vadinho ganhou asas e voou!


O casal Albuquerque desfrutava tempos de bonança no início da década de setenta. Possuía uma próspera empresa do ramo têxtil, construída depois que se casou. A economia que ambos guardaram em seus trabalhos anteriores, ele como vendedor de roupas e ela como costureira, propiciou a realização do empreendimento. A empresa faturava alto e, além de vender para algumas cidades de São Paulo, o casal também tinha clientes no Rio de Janeiro. Com freqüência viajavam de avião até a cidade maravilhosa para realizar a transação de seus produtos.

Eles já estavam casados há dois anos e com a consolidação da empresa, decidiram ter um filho. Tiveram a preocupação de programar com cuidado a gestação, para que não atrapalhasse os negócios da empresa.

Quando faltavam apenas oito dias para a data programada do nascimento do primogênito, um problema nos negócios fez com que o casal viajasse até o Rio de Janeiro. Eles foram despreocupados, pois o médico da família dissera que a viagem não prejudicaria a gravidez.

No entanto, no meio da viagem, a senhora Albuquerque iniciou o trabalho de parto. Desesperado, o marido gritou perguntando se entre os passageiros havia algum médico. Não deu tempo para chegar até um hospital e a senhora Albuquerque deu a luz em pleno voo.

E assim nasceu Vadinho, numa ponte aérea entre São Paulo e Rio de Janeiro. O menino nasceu rico e viveu uma infância pobre. A empresa de seus pais viria a falir poucos meses após seu nascimento devido ao avanço da concorrência. Com a falência da empresa, a mãe do menino voltou a costurar para as madames da alta sociedade e seu pai tornou-se um zelador de prédios.

O fato de ter nascido no interior de um avião despertou em Vadinho uma vontade imensa de voar. Mesmo quando ainda era um bebê, não tirava os olhos do céu e observava incansavelmente os pássaros e os aviões.

Percebendo a admiração do menino pelas alturas, seu pai lhe presenteou com uma pipa logo em seu primeiro aniversário. Vadinho, com a ajuda do pai, soltava a pipa e admirava seus movimentos lá no alto. Mas era insuficiente, o menino queria mais, queria estar no lugar da pipa. Vadinho queria voar.

Em seu primeiro dia na escola a professora perguntou a Vadinho o que queria ser quando crescer. O menino respondeu prontamente que queria ser um homem voador. Todos na classe riram com a resposta. Vadinho ficou muito triste, mas mesmo assim não tirou da cabeça o seu desejo.

Os anos se passaram e mesmo com a advertência da professora e conselhos dos pais de que era impossível para uma pessoa voar, o menino não desistiu da idéia de alcançar as alturas. Ia diariamente à biblioteca pública para estudar tudo o que se referia ao voo.

Transformou-se em um grande estudioso de pássaros. Conhecia várias espécies e as peculiaridades dos animais: o alcance do voo, o tamanho e o formato das asas, o senso de direção, entre outras coisas.

Vadinho também adquiriu grande conhecimento sobre os aviões. Sabia de cor todos os modelos existentes no mundo: qual era o mais rápido, o que alcançava maior altitude, o que tinha a asa mais longa, a asa mais curta....

Nos livros, Vadinho também descobriu que outras pessoas já tiveram seu desejo. Leu sobre Leonardo Da Vinci e suas máquinas voadoras. Leu sobre Santos Dumont e suas várias tentativas de realizar um voo até construir o avião.

Certo dia, Vadinho resolveu pôr em prática seu desejo e tentar alcançar as alturas. Primeiro foi até o galinheiro de sua avó para pegar algumas penas. As galinhas deram um pouco de trabalho, mas o menino conseguiu penas suficientes para produzir as asas que o fariam voar. Vadinho as projetou para que ficassem mais parecidas possíveis com a dos pássaros.

Depois que terminou de desenvolver as asas pensou em algo que pudesse lançá-lo para o alto, pois não iria conseguir voar apenas batendo as asas como fazem os pássaros. Lembrou então de ter lido em um livro sobre histórias medievais de uma arma usada para lançar pedras, a catapulta.

Vadinho construiu a arma da idade média sozinho, depois de observar algumas ilustrações em livros que emprestara da biblioteca. Pegou escondido de seu pai um serrote, um martelo e muitos pregos. Foi um trabalho árduo, mas o menino conseguiu terminar a catapulta em pouco mais de uma semana.

Depois de terminado o aparelho que o lançaria para o alto e o ajudaria a voar, Vadinho pegou suas asas e foi para um campo a alguns quilômetros de sua casa. Chegando lá, arrumou tudo direitinho, observou a direção do vento, preparou suas asas e engatilhou a catapulta.

Vadinho estava com muito medo, mas o desejo que tinha de voar era maior e o menino subiu até a catapulta para ser arremessado para as alturas. Quando estava alojado no aparelho, o garoto lembrou do sonho que tivera na noite passada: do aparelho jogando-o para o alto, de suas asas batendo como a do marfim - seu pássaro preferido - e do magnífico voo que dera. Vadinho lembrava com lágrimas nos olhos, mas sabia que era apenas um sonho.

Para seu sonho tornar-se realidade, bastava que ele cortasse a cordas que engatilhava a catapulta. O menino rezou e pediu para Deus o proteger, respirou fundo e com a tesoura que pegara de sua mãe, cortou a corda.

Vadinho voou, mas não como esperava. As asas que construíra com tanto esmero, não agüentou a força do vento e se partiu na primeira ruflada. Depois de exatos cinco segundos uma árvore pôs fim à tentativa de voar do menino. Em meio a folhas e galhos, Vadinho permaneceu desacordado por alguns instantes.

Pouco tempo depois sua mãe sentira falta da tesoura e fora procurar Vadinho para perguntar se sabia onde estava o objeto. Encontrara-o na árvore todo emaranhado e pediu raivosa para que descesse rapidamente e fosse para casa.

Chegando em casa, Vadinho levou a maior bronca de sua vida. Seus pais o colocaram de castigo e pediram para que nunca mais tentasse voar novamente, caso contrário não poderia mais ir até à biblioteca, sua ocupação preferida.

O menino ficou muito triste por não ter conseguido voar. Pensou durante toda à noite e constatou que os pais estavam realmente certos. Ele não podia voar e qualquer tentativa sua em alcançar as alturas poderia ter conseqüências muito piores do que simples arranhões de galhos.

Não é que o desejo do menino desapareceu. Ao contrário, ele aumentava cada dia mais. Vadinho continuava a observar e a ler tudo o que se referia ao vôo. Todos os livros sobre pássaros e aviões que se encontravam na biblioteca já tinham passado por seus olhos.

Vadinho ficava horas e horas a olhar para o céu e a observar os pássaros e os aviões que deslizavam com destreza. Seus olhos se enchiam de lágrimas, pois queria estar lá, a voar e a sorrir, por toda a vida.

Ele até conquistara uma estranha amizade com os pássaros. Diferentemente de outras pessoas, os animais não tinham medo do menino. Por várias vezes, seus pais o observaram conversando e brincando com eles, como se fossem grandes amigos.

Certo dia cogitou junto a seu pai sobre a possibilidade de ele viajar de avião. Seu pai disse que era impossível, pois o dinheiro que ganhava junto com sua mãe mal dava para as despesas da casa. O menino desesperançou-se e, triste, voltou a olhar para o céu.

Vadinho já tinha se acostumado com a ideia de que era impossível para ele voar, quando andando pelo corredor da escola, teve uma visão que o fez tremer e a suar frio. No quadro de avisos, localizado junto à secretaria da diretora, avistou um cartaz que convidava todos os alunos a participarem de um concurso, cujo primeiro prêmio seria uma viagem de avião, ou melhor, uma ponte aérea entre São Paulo e Rio de Janeiro, a mesma que acompanhou seu nascimento.

O menino leu com atenção todas as palavras do cartaz e constatou que para ganhar a viagem teria que criar uma frase que ilustrasse a conquista do céu pelo homem. No mesmo instante, Vadinho começou a imaginar dezenas de frases e, rapidamente, pegou seu material escolar e foi correndo para casa criar a melhor frase sobre voo já feita por alguém.

Em seu quarto, sentado na mesa de estudo, o menino começou a pensar em tudo o que sabia sobre voo. Vadinho tinha conteúdo suficiente para criar uma ótima frase, mas inexplicavelmente sua mente e mãos travaram. Ele entendia que aquela era uma oportunidade única de realizar seu sonho e não poderia desperdiçá-la. O prazo para a entrega da frase terminava dali a três dias e o menino começou a se desesperar.

Sua mente não conseguia criar algo que pudesse ser realmente original. Durante dois dias, Vadinho encheu de papel o cesto de lixo que se encontrava em seu quarto. Lágrimas saiam de seus olhos, seu corpo estremeceu. O menino estava diante do fracasso. Faltava apenas um dia para a entrega da frase e ele não conseguira criar nada que fosse digno de ser inscrito no concurso.

Quando restavam apenas algumas horas para o término do prazo do concurso, abatido, o menino abriu a janela de seu quarto e olhou para o céu. Vadinho notou algo estranho nos pássaros que sobrevoavam sua casa. Com uma insólita sincronia, os pássaros pareciam escrever alguma coisa. O menino passou as mãos nos olhos, como acreditando que aquilo fosse algo de seu imaginário.

Ele continuou a olhar vislumbrado quando, de repente, os pássaros, com movimentos perfeitos, escreveram a frase mais magnífica sobre vôo que já lera ou ouvira: “O desejo de voar deu asas ao homem”. Rapidamente o menino pegou um lápis e anotou em seu caderno.

O relógio badalava 16 horas e 30 minutos e Vadinho apressou-se para não perder o prazo de se inscrever no concurso, que terminava às 17:00 horas. Ele pegou sua velha bicicleta e pedalou como nunca. O menino chegou à escola quando a diretora já estava fechando a urna que recebia as frases. Todo suado e cansado pegou o papel que estava escrito a frase e depositou na urna.

Vadinho foi embora contente, pois sabia que sua frase era forte o bastante para vencer o concurso. Dificilmente uma pessoa faria uma frase como aquela. Ele olhou para o céu e agradeceu aos pássaros por terem o ajudado.

Agora ao menino restava apenas esperar pelo resultado, que acreditava ter a sua frase como vencedora. Ele estava ansioso e mal conseguia dormir à noite. Seus pais estranharam seu comportamento e pediram para que se acalmasse. O menino disse que era impossível, pois estava prestes a realizar o grande sonho de sua vida.

O tempo passou e finalmente chegou o dia da divulgação do resultado do concurso. A melhor frase seria escolhida e seu autor seria premiado com um inesquecível voo de avião. Vadinho sentara na primeira fila e já se preparara para o anúncio de seu nome quando, inesperadamente a diretora lê uma outra frase: “Cansado de ficar no chão, o homem inventou o avião”.

O desespero tomou conta do menino. Seu sonho transformara-se em pesadelo. E a dor era ainda maior, pois Vadinho tinha plena convicção de que a frase vencedora não chegava aos pés da sua. Era uma frase sem qualquer criatividade, que não tinha potencial para vencer o concurso.

Quando descobriu o autor da frase vencedora ficou ainda mais irritado. O primeiro colocado era nada mais, nada menos, que o adorado sobrinho da diretora. Na certa, pensava Vadinho, fizeram uma armação para que ele ganhasse o concurso.

Ao voltar para casa, o menino recusou-se a olhar para o céu. Seu grande sonho, que estava tão próximo de se realizar, voltou a se distanciar. Ele entrou em casa e seus pais logo perceberam que sua frase não fora a escolhida. Os pais o confortaram e disseram para que jamais desistisse.

À noite, Vadinho não conseguia pegar no sono e da janela de seu quarto observava tristemente o céu. E não era só o menino que estava sem sono. Alguns pássaros sobrevoavam sua casa e percebiam os seus lamentos. Vadinho, observando-os, disse a eles que qualquer dia iria acompanhá-los em suas aventuras pelos ares.....qualquer dia!

De maneira eufórica, o menino fora acordado pelos pais na manhã seguinte. Eles disseram que a diretora da escola ligou, avisando que seu sobrinho não poderia mais realizar a viagem, pois uma rara doença de pássaros o acometera. Ela dissera a seus pais que o sobrinho ficaria alguns dias internado, e não se recuperaria a tempo de realizar a viagem.

A frase de Vadinho obtivera a segunda colocação no concurso e, com isso, o menino conquistara o direito de realizar o grande sonho de sua vida. O semblante triste do menino transformou-se em alegre e de suas cordas vocais emanou-se um grito ouvido por toda a vizinhança.

Vadinho não queria conquistar a viagem daquela forma, mas sabia que sua frase era a melhor e, por isso, era justa a sua escolha. Da janela de seu quarto olhou para o céu e observou o quão perto estava seu sonho de ser realizado.

As malas já estavam prontas há alguns dias quando chegou o momento de partir para o aeroporto. Despediu-se de sua mãe e foi juntamente com o pai, pois tinha direito a um acompanhante, fazer a viagem que tanto esperara.

Chegando ao aeroporto, Vadinho começou a vislumbrar todos aqueles aviões que conhecera nos livros. Ele e o pai sentaram na sala de espera e o menino, ansioso, aguardava o momento da viagem. Neste intervalo, Vadinho observava pelas vitrines do aeroporto os aviões decolarem e aterrissarem.

Quando seu voo foi anunciado pelo serviço de auto-falante do aeroporto, Vadinho correu até o local de embarque e foi o primeiro a chegar na fila. Seu pai pediu para que se acalmasse, pois os assentos eram numerados e eles não iriam perder a viagem.

Ao entrar no avião, nada deixava de passar pelos olhos do menino. Queria olhar tudo e saber se o que lera nos livros era realmente verdade. Vadinho se acomodou no assento que ficava próximo à janela do avião. Ficou ainda mais feliz, pois assim poderia admirar tudo das alturas.

No momento que o motor do avião foi acionado, o coração do menino disparou. Eufórico, ele não conseguia segurar-se no assento. O pai pediu mais uma vez para que se acalmasse e Vadinho acatou.

Antes da decolagem, o comandante do avião foi apresentar-se e passar as corriqueiras instruções aos passageiros. Vadinho ouvia atentamente aos dizeres da pessoa que, a partir daquele momento, passava a ser seu maior ídolo. O menino admirava a maneira como o comandante se vestia, como pronunciava suas palavras e como fazia os seus gestos.

Depois de passar as instruções aos passageiros, o comandante desejou uma boa viagem a todos e seguiu para a cabine do avião. Vadinho não se segurou e mesmo com o esforço do pai em contê-lo correu para encontrar o comandante.

Chegando até ele o menino pediu para que o deixasse viajar na cabine, pois voar era o grande sonho de sua vida. O comandante, observando a profundidade daquelas palavras, sorriu e disse que ele poderia viajar, contanto que seu pai permitisse.

Com a permissão do pai, Vadinho penetrou na cabine da aeronave e, maravilhado, acomodou-se em uma poltrona próxima ao comandante. O menino prestava atenção em todas as etapas da decolagem.

Enquanto o comandante executava os procedimentos de voo, Vadinho falava baixinho o nome de cada aparelho acionado e a sua função na aeronave:

- Esse é o fone de ouvido e o microfone e serve para comunicar com a torre de controle.

- Esse botão é o acelerador e serve para mover o avião.

- Esse botão recua o trem de pouso.

- Aquele aparelho mede a altitude

- Esse, à minha frente, a pressão do ar.

O comandante observava admirado o conhecimento do menino sobre os procedimentos de vôo e perguntou como ele sabia daquilo. Vadinho respondeu que desde muito pequeno já admirava as alturas e, por isso, lia tudo sobre o assunto na biblioteca de sua cidade.

A viagem fora inesquecível tanto para Vadinho quanto para o comandante, que nunca conhecera uma pessoa com tanta admiração pelo voo. No decorrer da viagem, o menino contou toda sua história para ele e o comandante ouviu com atenção.

Depois do término da viagem, o comandante perguntou a Vadinho se ele se interessaria em realizar um curso de vôo depois que terminasse o colégio. O menino disse que sim, pois voar era o grande sonho de sua vida.

Com o término do colégio e a anuência dos pais, Vadinho ingressou no curso de vôo e durante a aprendizagem sempre estivera à frente dos colegas de classe. Todos os dias era o primeiro a chegar e o último a sair das aulas. Lia tudo o que era pedido pelos professores e nunca nenhum aluno tirara notas tão altas quanto as suas.

Depois de cinco anos de estudos, Vadinho tornou-se piloto de avião. Seu comportamento durante o curso fora tão bom que várias empresas aéreas disputaram o seu emprego.

Vadinho tornara-se o comandante Vanderson Alburquerque, o melhor piloto de avião que já existiu. Nunca uma pessoa voou tanto quanto ele e suas habilidades eram reconhecidas em todo o mundo. O menino, que desde pequeno manifestara seu desejo de voar, conseguiu realizar o seu sonho e desfrutou seu prazer por muitos e muitos anos.


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